A Covid-19 pode ser considerada uma doença do trabalho?

Dentre as primeiras medidas legislativas adotadas pelo Governo Federal, houve a edição da MP nº 927/2020, que em seu art. 29 estabelecia que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. O referido artigo gerou polêmica, que desencadeou a análise de sua constitucionalidade pelo STF, que no dia 29/04/2020 suspendeu sua eficácia.

Desde então, muito se discute sobre o reconhecimento da COVID-19 como doença do trabalho e, consequentemente, a responsabilidade dos empregadores em relação aos funcionários acometidos pela enfermidade. Nesse sentido, recentemente, o Ministério da Saúde editou Portaria nº 2.309/2020, que incluiu a COVID-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Contudo, a referida portaria foi revogada pouco dias depois, tornando sem efeito esta previsão.

Ainda sobre o tema, o Ministério Público do Trabalho, mediante Nota Técnica GT 20/2020, afirma que a COVID-19 poderá ser considerada doença ocupacional, quando a contaminação ocorrer em virtude das condições especiais do trabalho. Outrossim, é recomendada a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de trabalho), na hipótese de empregados contaminados ou suspeitos.

A Nota Técnica do MPT, ainda, apresenta parâmetros a serem observados por empregadores, empresas, entidades públicas e privadas que contratem trabalhadores, a fim de adotarem as medidas necessárias de vigilância em saúde do trabalhador, compreendendo medidas de vigilância sanitária e epidemiológica, a fim de evitar a propagação da COVID-19.

Sob a perspectiva previdenciária, o intenso debate e a urgente necessidade de criação de diretrizes para análise dos casos da COVID-19 – principalmente para concessão de benefícios -, fez com que a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no dia 11/12/2020, emitisse Nota Técnica nº 56376/2020/ME, cuja a finalidade é orientar acerca da adequada interpretação jurídica a ser dada aos artigos 19 a 23 da Lei nº. 8.213, de 1991, que trata sobre doenças e acidentes de trabalho.

A referida Nota Técnica esclarece que, para que haja o reconhecimento da COVID-19 como doença do trabalho, deverá ser demonstrada a relação do adoecimento do trabalhador com a sua ocupação e/ou com as condições especiais em que o seu trabalho é executado, isto é, obrigatoriamente será necessário comprovar o nexo causal.

Portanto, a COVID-19 não é presumidamente uma doença do trabalho, mas, se mediante perícia médica, restar demonstrado que as circunstâncias em que o empregado desenvolveu seu trabalho contribuíram ou foram determinantes para sua contaminação, poderá ser reconhecida a doença ocupacional e consequentemente atrair responsabilidades aos empregadores.

Vale destacar que notas técnicas são documento elaborados por técnicos especializados em determinado assunto que, de maneira fundamentada, emitem informações, dados, recomendações, orientações, etc. No presente caso, as notas técnicas não possuem força de Lei, contudo, servem como instrumentos de interpretação do Direito, tendo forte caráter orientativo na análise das relações de trabalho. Contribuem para a formação de entendimentos dos Magistrados e Tribunais do Trabalho, sendo, portanto, instrumentos relevantes e que devem ser observados pelos operadores do direito.

Recentemente o Judiciário reconheceu a COVID como doença do trabalho. Em sua fundamentação, o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho (RO), embora tenha manifestado a necessidade de comprovação do nexo causal, ressaltou que “no caso dos autos o reclamante atuava como motorista em contato direto e permanente com pacientes infectados, não sendo crível imaginar que outro fosse o lugar que se contaminaria com o vírus”.

Na decisão é possível observar que, ainda que remanesça a necessidade de comprovação do nexo causal/concausal, o Juízo entendeu que o fato do empregado trabalhar em profissão com notória suscetibilidade de contato com a doença e risco de contaminação, atrai, por si só, a presunção que a doença tenha sido contraída no exercício da atividade laborativa.

Conclui-se, dessa forma, que o reconhecimento da doença ocupacional dependerá das circunstâncias do caso concreto, principalmente se o trabalho/profissão do empregado litigante o colocavam em risco direto de contaminação. Logo, as atividades empresariais que exponham o empregado ao risco de contágio, em especial àquelas ligadas à área de saúde ou que coloquem o profissional em contato direto ou indireto com infectados (motoristas, entregadores, coveiros, serviços de limpezas, atendimento ao público, dentre outras), deverão redobrar os cuidados e cautelas com implantação de medidas ostensivas de prevenção, orientação, fiscalização, para redução dos riscos de propagação do COVID-19 e consequente mitigação de riscos de demandas trabalhistas.

FRANCINE DE FARIA é coordenadora da equipe de Direito do Trabalho no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela UNIBRASIL. Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Positivo.

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