Aprender com povos tradicionais: COP15 mira conservação da biodiversidade

ISPN participa do evento em Montreal, no Canadá, para contribuir no debate a favor da economia da sociobiodiversidade e conservação de todos os biomas brasileiros

“Não se engane, a crise da biodiversidade também é uma crise climática”, afirmou o diretor-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza — IUCN, Dr. Bruno Orbele, em carta aberta frente à 15ª Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (COP15), que iniciou-se em Montreal, no Canadá. Segundo Orbele, a UNFCCC COP 27, recém encerrada em Sharm El-Sheikh, no Egito, deixou claro que os limites de temperatura estabelecidos pelo Acordo de Paris não serão alcançados sem a proteção de todos os ecossistemas intactos, restaurando o que já foi esgotado e permitindo que a natureza e as soluções baseadas na natureza façam sua parte.
 

Este reconhecimento eleva a importância das decisões que serão discutidas durante a Conferência da Biodiversidade COP 15. A expectativa é encerrar 2022 com um acordo global ambicioso que evite a extinção de espécies e traga sinalizações claras dos meios e disposições financeiras dos países para recuperar os danos já causados ao meio ambiente, que resultam em progressiva perda de biodiversidade e dos ecossistemas naturais capazes de garantir mitigação e adaptação às mudanças do clima.
 

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) participa deste debate mundial para defender o protagonismo e contribuições dos territórios de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares, que por meio do uso sustentável geram renda e segurança alimentar com a conservação dos ecossistemas. “É preciso olhar, valorizar e aprender com os povos tradicionais que habitam as florestas, as savanas, os campos, os sertões e todas as diversas de paisagens naturais que existem no Brasil e no mundo”, afirma Fabio Vaz Ribeiro de Almeida, Coordenador-Executivo do Instituto.
 

Diante da realidade das mudanças climáticas em nível global, o antropólogo pontua a necessidade de repensar os modos de produção de renda e riqueza, considerando que as consequências geradas pelo desmatamento em ascensão e pelos sistemas alimentares de larga escala são insustentáveis. Para ele, o uso sustentável e o reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados à sociobiodiversidade podem oferecer respostas tanto para o modelo econômico predatório da natureza, quanto caminhos para mitigação e adaptação às mudanças do clima.
 

“O desenvolvimento sustentável de sociedades do Sul e do Norte Global é uma possibilidade se colocarmos em prática técnicas e estratégias aprimoradas há séculos pelos modos de vida das comunidades locais. Os povos tradicionais brasileiros têm muito a ensinar ao mundo”, acrescenta. Almeida participará da COP15 ao lado de Guilherme Eidt, assessor de políticas públicas do ISPN, Lívia Carvalho Moura, assessora técnica da organização, e uma pequena delegação de povos tradicionais apoiadas pelo Instituto, com representantes de comunidades quilombolas e indígenas.

Voz que vem das comunidades
 

Antonia Cariongo, ativista do movimento negro e defensora de direitos humanos e do meio ambiente, é uma das integrantes do grupo que vai à Montreal. “Esse é um espaço extremamente importante para nós, povos e comunidades tradicionais. É importante que estejamos presentes nessas discussões que envolvem nossa convivência com a mãe Terra. Esse espaço é importante para falarmos sobre os nossos modos de vida”, compartilha a liderança quilombola do quilombo Cariongo, no estado do Maranhão.
 

Ela ressalta sua expectativa de poder falar de suas experiências cotidianas. “Quero falar do meu povo, das nossas vivências, dos nossos territórios, mas sobretudo falar das ameaças que vivemos. Quero falar da perda da nossa biodiversidade: o babaçu, a castanha, o bacuri, o pequi. É dessa biodiversidade que fazemos o extrativismo [que sustenta e gera renda para as comunidades], mas ela está sendo derrubada pelo agronegócio”, denuncia Antonia.
 

O Coordenador-Executivo do ISPN destaca ser necessário fortalecer o protagonismo dos povos nas discussões de temas que os afetam diretamente. “A repartição de benefícios advindos do conhecimento tradicional associado à biodiversidade, por exemplo, tema quente que será debatido na COP15, não só interessa às comunidades como precisa envolver lideranças locais nas discussões”, argumenta.
 

Além de atuar pela proteção dos povos, o ISPN também está acompanhando a construção da legislação europeia anti-desmatamento para importação de commodities. Há uma forte expectativa de a União Europeia anunciar a versão final da norma nesta COP15. A matéria, que afeta diretamente a produção de soja brasileira, pode ser uma ferramenta aliada para a conservação ambiental do país. A depender da ambição dos europeus de incluir outras áreas arborizadas além dos ecossistemas florestais no escopo da legislação. Do contrário, corre-se o risco dela se tornar ineficaz, deixando de fora o bioma Cerrado, principal vítima do desmatamento associado à expansão do agronegócio e commodities destinadas para o mercado europeu.

Cadê a biodiversidade que estava aqui?
 

Entre 1970 e 2018, houve redução de 69% da vida selvagem mundial, segundo a última edição do relatório Planeta Vivo. Conforme destacado pelo WWF-Brasil, a América Latina apresenta o maior declínio regional (94%), enquanto as populações de espécies de água doce registraram o maior declínio global (84%). Essa tendência é confirmada pelo relatório de Avaliação Global IPBES sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (2019), segundo o qual 1 milhão de espécies de animais e plantas estão agora ameaçadas de extinção.
 

A cada ano, cerca de US$ 125 trilhões em serviços ecossistêmicos são fornecidos à economia global por meio de água potável, água para processos industriais, alimentos, ar fresco, absorção de calor, solo produtivo e florestas e oceanos que absorvem carbono. Mais da metade do PIB global depende da natureza. Ela é a maior aliada no combate à crise climática.

O que está em jogo em Montreal?
 

Na conferência de Montreal, o objetivo será fechar o acordo sobre um novo Marco Global para Biodiversidade Pós 2020. Ele delineará o que os países precisam fazer, individual e coletivamente, nos próximos oito anos, até 2030, e daí para frente, para colocar a humanidade no rumo certo para que alcancemos a visão geral da CDB, que busca “viver em harmonia com a natureza” até 2050.
 

Uma das metas mais importantes é a que pede aos países que garantam que pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas sejam conservadas globalmente até 2030 (ponto conhecido como 30×30). De acordo com o WWF-Brasil, os atuais sistemas alimentares, baseados sobretudo na monocultura, geram 70% da perda de biodiversidade na terra. Uma transição para a agricultura sustentável, como a praticada por povos e comunidades tradicionais, é essencial para proporcionar segurança alimentar e resiliência a longo prazo. 

Com informações do WWF-Brasil

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