Artivista Mundano transformará cinzas de queimadas em releitura de Cândido Portinari

Um ano e oito meses depois de reproduzir uma obra de Tarsila do Amaral com a lama tóxica de Brumadinho, o artivista Mundano aplica a mesma técnica para denunciar a destruição dos grandes biomas brasileiros, que estão sendo literalmente reduzidos a cinzas. Desta vez, a matéria-prima das cores do novo painel, que começa a ser produzido a partir desta quinta, (30/09), são as cinzas das queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, coletadas numa expedição de mais de 10 mil quilômetros pelos quatro biomas. O painel terá 1000 metros quadrados e ficará localizado na Rua Capitão Mor Jerônimo Leitão, 108, sendo que a melhor vista para a obra é a partir da passarela da Avenida Prestes Maia.

Cinzas, restos de árvores e animais carbonizados serão a matéria prima para a paleta de tons de cinza que será usada para recriar uma das mais icônicas obras de Cândido Portinari. Quando foi lançado, O Lavrador de Café, 1934, relacionava o momento histórico com o impacto da ação humana. Na releitura da obra modernista, proposta por Mundano, o Lavrador cede seu lugar a um brigadista – projetado a partir de um personagem real, Vinicius Curva de Vento, da Brigada Voluntária de São Jorge, que recentemente combateu as queimadas da Chapada dos Veadeiros. “Nos tornamos instrumento de utilidade para a natureza, o que não tem preço. É muito melhor ser brigadista voluntário do que ficar só olhando o fogo queimar”, afirma Vinicius. A obra, portanto, dará visibilidade àqueles que atuam diretamente para a manutenção das florestas e demais ambientes naturais, e que trabalham incansavelmente, muitas vezes com equipamentos limitados e sem reconhecimento.

Nas mãos de Mundano, vida e arte se misturam numa interrogação: até quando os crimes ambientais servirão como base para sua arte? “Resíduos de crimes ambientais infelizmente são matéria prima abundante pelo Brasil. Testemunhar as queimadas foi essencial na pesquisa com as cinzas que se transformarão em uma denúncia desse tempo de destruição ambiental”, ressalta o artivista. A técnica visa chamar a atenção para a destruição ambiental em curso no Brasil, especialmente das queimadas. Em 2020, Amazônia e Pantanal bateram recordes históricos de queimadas. Com a pior seca em mais de 90 anos no Brasil, os focos de queimadas em 2021 têm sido bastante elevados, especialmente no Cerrado e sul da Amazônia.

Expedição Cinzas da Floresta - André D'elia
Expedição Cinzas da Floresta – André D’elia

A matéria prima para as tintas foi coletada entre junho e julho de 2021, em uma expedição que percorreu as cidades de Poconé (bioma Pantanal, Mato Grosso), Colíder (bioma Amazônia, Mato Grosso divisa com Pará), São Jorge na Chapada dos Veadeiros (bioma Cerrado), Alto Paraíso de Goiás (bioma Cerrado) e Amparo (São Paulo, bioma Mata Atlântica). Foram três semanas conhecendo brigadistas, coletando carvão e cinzas, histórias e inspirações da natureza.

João Cândido, filho do Cândido Portinari, reconhece que é um momento bem-vindo de recordação e reinterpretação dos ânimos das artes que são elementos que transformam a sociedade. “Ele está fazendo essa releitura com um tom dramaticamente social, pois está fazendo com as cinzas da floresta e vai homenagear os brigadistas. Isso tem tudo a ver com a mensagem do meu pai, com a obra dele. Fiquei muito feliz e emocionado em saber deste trabalho”

O painel ficará na Avenida Prestes Maia, em frente ao início da rua 25 de Março, e deverá ser concluído no início de outubro de 2021, às vésperas das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna.

Esta iniciativa faz parte de um projeto multimídia de arte e meio ambiente que usa o artivismo como ferramenta de denúncia de crimes e sensibilização para a causa ambiental. A expedição, o painel e todos os esforços de apoio aos brigadistas estarão registrados no minidocumentário Cinzas da Floresta, com direção de André D’Elia, que será lançado no fim de 2021.

“O projeto Cinzas da Floresta representa a diversidade de esforços da sociedade em agir concretamente diante de tantos retrocessos socioambientais que vivemos, e busca oferecer apoio às pessoas que protagonizam a luta pela natureza em seu dia a dia”, afirma Gabriela Yamaguchi, diretora de Sociedade Engajada do WWF-Brasil.

Um país em chamas

Segundo levantamento do MapBiomas , o Brasil queimou uma área maior que a Inglaterra por ano entre 1985 e 2020. Foram 150.957 km² por ano, ou 1,8% do país. O acumulado do período chega a praticamente um quinto do território nacional: 1.672.142 km², ou 19,6% do Brasil. Quase dois terços (65%) ocorreram em áreas de vegetação nativa, sendo que os biomas Cerrado e Amazônia concentraram 85% de toda a área queimada pelo menos uma vez no país. A análise proporcional por bioma mostra que o Pantanal é o que mais queimou nos últimos 36 anos: 57% de seu território foi queimado pelo menos uma vez no período, ou 86.403 km². Ele é seguido pelo Cerrado (733.851 km², 36%) e pela Amazônia (690.028 km², 16,4%).
Dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais ( INPE ) mostram que 55% do total de área queimada até agosto deste ano no Brasil está no Cerrado, que já perdeu 66.548 km² para o fogo. Esse é o maior número desde 2016. Em segundo lugar vem a Amazônia: seus 26.893 km² queimados representam 22% da área queimada no país até agosto.

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