Brasil tem 18 anos para ampliar o índice de reciclagem de 4% para 48%

Meta está no Plano Nacional dos Resíduos Sólidos, regulamentado por decreto federal em abril, e que também prevê extinção dos lixões até 2024

O Brasil tem os próximos 18 anos, até 2040, para alcançar a taxa de reciclagem de 48% dos resíduos que produz, deixando para trás o índice atual de 4%. Essa importante meta está no Plano Nacional dos Resíduos Sólidos (Planares), regulamentado por decreto federal em abril deste ano, que prevê também a extinção dos lixões em dois anos, até 2024. A proposta é de reciclar mais de 100 mil toneladas de resíduo sólido urbano por dia em 2040, quase metade do gerado hoje no país.

A missão é desafiadora levando em conta que há quase 3 mil lixões operando no Brasil e que 40% do resíduo gerado tem destino inadequado. Os 4% de reciclagem do Brasil é bem menor que o índice registrado em países com faixa de renda e desenvolvimento econômico similar, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, que reciclam cerca de 16% do lixo que produzem, segundo dados da International Solid Waste Association (ISWA), e muito abaixo de taxas como a da Alemanha, que recicla aproximadamente 67% dos resíduos.

O Panorama dos Resíduos Sólidos 2021, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), mostra que 26% das cidades brasileiras não têm nenhuma iniciativa de coleta seletiva e entre os 74% restantes, muitos contam com um serviço ainda insuficiente. A Abrelpe avaliou, em 2019, que os recicláveis não aproveitados no Brasil, enviados para aterros e lixões, poderiam gerar recursos de R$ 14 bilhões por ano.

Avanços

Autoridade em reciclagem no Brasil, o gestor ambiental Telines Basílio, o Carioca, lembra que levou 12 anos entre a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) até a regulamentação do Planares. Basílio é um dos 22 catadores que fundaram a Coopercaps (Cooperativa de Coleta Seletiva da Capela do Socorro). Segundo ele, o grande avanço de 2010 para 2022 é que o Planares cria o Programa Nacional de Logística Reversa, conjunto de procedimentos para o setor empresarial recolher e encaminhar resíduos, no pós-venda ou pós-consumo, para destinação correta.

O Programa cria um banco de dados de todos os setores da economia, no qual as empresas vão inserir seus resultados em um sistema unificado. Dessa forma, explica Basílio, o país terá acesso garantido às informações para compreender como está o desenvolvimento da logística reversa.

De acordo com o gestor ambiental, o primeiro e talvez mais relevante ponto do novo decreto é entender que o Planares traz importantes instrumentos para incentivar o país a sanar problemas ambientais, sociais e econômicos, que surgem em decorrência do manejo inadequado dos resíduos sólidos. Ele cita que a lei prevê redução do volume de resíduos e sugere hábitos sustentáveis de consumo, além de um conjunto de ações que ampliam a reciclagem e a destinação correta dos itens não recicláveis.

“De forma simples, o que a lei sugere é que todos nós, pessoas físicas, jurídicas ou órgãos públicos, temos um papel indispensável na construção de uma economia verde, que tem a reciclagem como uma de suas bases. Do nosso lado, como cidadãos, temos de sempre separar e descartar corretamente nossos resíduos, fazendo com que a coleta seletiva seja funcional”, afirma Basílio. O objetivo é desencadear melhorias ambientais e sociais ao promover a redução no volume de resíduos gerados, aumentar a renda dos catadores de recicláveis e otimizar a infraestrutura das cooperativas e associações de catadores.

Desafio

Em linhas gerais, o Planares propõe reduzir, reutilizar e reciclar, por meio de ações como compostagem, recuperação e reaproveitamento. O maior desafio para alcançar as metas do plano, segundo o gestor ambiental, é fazer com que a reciclagem se torne uma prática comum no território brasileiro. Segundo ele, os desafios são a falta de conhecimento da população sobre a reciclagem, pouca oferta de coleta seletiva pelo país, dificuldade em alcançar uma maior viabilidade econômica e ausência de estrutura.

Em resumo, as tecnologias e a lei existem, é preciso efetivamente utilizá-las e colocá-las em prática. “Isso não ocorre de forma rápida. Precisamos de um plano de longo prazo e de responsabilidade compartilhada. Todos nós temos a nossa parcela de responsabilidade”, afirma Basílio.

Ainda de acordo com o gestor ambiental, ainda não é possível falar em lixo zero, mas é preciso começar. “Temos que caminhar na direção dos 5 erres: recuse, reduza, reutilize, recupere e recicle. Isso pode levar uma vida inteira, gerações talvez, mas o importante é que cada um de nós façamos a nossa parte”, diz.

Cooperativas

Embora o Brasil ainda esteja engatinhando na reciclagem e geração atrelada de renda, iniciativas de cooperativas e o trabalho de catadores mostram que o caminho é viável e fundamental. “Os catadores são responsáveis por mais 90% de tudo que é reciclado no país”, afirma Basílio. Ele explica que o catador é protagonista, agente importante na gestão de resíduos, mas faltam qualificação profissional, reconhecimento e investimentos na categoria.

Telines Basílio tem uma história de superação. Ele se mudou para São Paulo há 35 anos em busca de oportunidades, mas, sem trabalho, se tornou catador. Um amigo o ensinou a trabalhar e separar material. Carregava ainda o drama da dependência química. “Fiquei nessa vida por 12 anos, trabalhei mais quatro anos para o dono do ferro velho, até que foi constituída a Coopercaps, me tornei um cooperado e percebi que havia recebido uma missão, a de reciclar vidas”, afirma.

A Coopercaps foi constituída em 30 de agosto de 2003 por um grupo de 22 catadores da zona sul paulistana. Hoje, a cooperativa tem 380 cooperados e mais cinco filiais, incluindo as duas primeiras Centrais Mecanizadas de Triagem da América Latina, CMT Carolina Maria de Jesus e CMT Ponte Pequena.

As demais unidades são as centrais de triagem de Paraisópolis, Socorro, Interlagos e a mais nova unidade em Jurubatuba, o Centro de Referência para Cooperativas e Catadores, onde funciona o primeiro centro-escola do Brasil, voltado à profissionalização dos catadores, com suporte jurídico, contábil e de empreendedorismo.

Circular Experience

O Movimento Circular, instituição criada na América Latina a partir da reflexão urgente sobre a necessidade da participação de todos para que nada mais vire lixo, comemora dois anos de trabalhos com o Circular Experience, evento “mão na massa” no qual os participantes vão trabalhar juntos na construção de um mundo sem lixo. A experiência acontece no dia 30 de agosto, às 14h, na Coopercaps, Rua das Baiadeiras, 280, em São Paulo.

A programação inclui atividade colaborativa, direto das esteiras de triagem Coopercaps, espaço para networking, lançamento de um novo desafio educacional pela circularidade. “Vamos celebrar as conquistas de dois anos do Movimento Circular”, diz o coordenador do Movimento Circular, Vinicius Saraceni.

Segundo Saraceni, o evento pretende reunir parceiros e convidados especiais que vão participar do desafio de conhecer a reciclagem diretamente das esteiras da cooperativa. “Vamos aprender com as pessoas que estão fazendo a triagem. Os participantes vão se organizar em grupos para pensar soluções. No encontro, a sociedade estará se unindo em uma cooperativa, com representantes de indústrias de diferentes setores, governo e professores. Todos mobilizados para pensar em soluções para a economia circular”, afirma.

Segundo o coordenador, o Brasil tem urgência para o desenvolvimento de políticas públicas de reciclagem, nas quais a educação tem papel relevante, assim como as cooperativas. “O Planares está regulamentado, agora temos que trabalhar para alcançarmos, juntos, as metas definidas no Plano Nacional. É preciso começar colocando a mão na massa”, diz.

Artigo anteriorManutenção hidráulica preventiva reflete em economia 
Próximo artigo4 anos de LGPD: conheça 7 ações para se adequar à lei e evitar sanções
Avatar
Para falar conosco basta enviar um e-mail para redacaomeioambienterio@gmail.com ou através do nosso whatsapp 021 989 39 9273.