Brasileira relata momentos de terror ao tentar entrar nos Estados Unidos ilegalmente

Daniel Toledo, advogado e especialista em Direito Internacional, descreve o relato de uma brasileira que foi presa com sua família ao tentar atravessar a fronteira do México

As crises que afetaram o Brasil durante a pandemia encorajaram muitas pessoas a tentarem uma vida nova em outro país. Na maioria das vezes, a escolha é os Estados Unidos, principalmente pelas facilidades que o país oferece. No entanto, é necessário seguir as metodologias legais de imigração para que a construção deste sonho não se torne um pesadelo.

Daniel Toledo, advogado que atua na área do Direito Internacional, fundador da Toledo e Associados e sócio do LeeToledo PLLC, escritório de advocacia internacional com unidades no Brasil e nos Estados Unidos, revela que recebeu um relato de uma brasileira que estava diante de uma situação difícil durante a pandemia e decidiu buscar uma nova vida nos EUA ao lado de sua família. “Afastados de seus trabalhos durante a crise gerada pela Covid-19, um casal de Araraquara, interior de São Paulo, recebeu uma oferta de emprego nos Estados Unidos. A proposta partiu de um amigo do casal, que afirmou que eles deveriam entrar como turistas e permanecer trabalhando por lá enquanto vivem de forma ilegal no país”, relata.

As coisas ficaram ainda mais complexas quando esse amigo do casal apresentou uma pessoa que, supostamente, conhecia os caminhos para que eles atravessassem a fronteira através do México. “O preço combinado era de R$ 20 mil reais por pessoa, totalizando 80 mil para a família, que deveriam ser pagos à vista antes deles embarcarem para o México. Sem garantias financeiras no Brasil e com R$ 60 mil reais arrecadados ao longo dos anos guardados, o casal vendeu seus pertences e apostou todas as fichas na ida aos Estados Unidos através da fronteira mexicana. Mas as coisas, obviamente, não correram como o planejado”, pontua Toledo.

De acordo com o advogado, a família embarcou para o México e logo na chegada as primeiras surpresas começaram a aparecer. “Eles receberam uma mensagem dizendo que cada pessoa só poderia levar uma mochila pequena com três trocas de roupas, comida e água. Nada além disso. O ônibus era extremamente mal conservado, sujo e repleto de pessoas que estavam em busca de uma vida melhor, mesmo que da maneira errada. Eles haviam pago R$ 80 mil reais. Eram as economias da vida dessa família e já não tinha mais volta a partir daquele ponto”, lamenta.

Toledo relata que os brasileiros viveram momentos de tensão. “O ônibus parou em uma pensão para que eles tomassem banho e descansassem. Passaram um dia inteiro por lá e na manhã seguinte foram acordados às 5 da manhã aos gritos para que levantassem rápido porque o ônibus sairia em 20 minutos. Partiram ainda de madrugada, mas a quantidade de alimento foi diminuindo e o clima no ônibus ficando bem pesado. Ela afirmou que era uma mistura de ansiedade, medo, falta de confiança e desespero”, declara.

“O corpo e a cabeça doíam, as crianças não aguentavam mais e reclamavam o tempo todo. Já estava a ponto de ter uma crise de pânico, mas me segurava. Pensava apenas na possibilidade de conseguirmos um emprego e estabilizar nossas vidas. Mais uma noite em uma pensão com 12 pessoas no quarto. Mais uma noite sem fechar os olhos. Já era a terceira. Eu já não conseguia pensar direito”, diz a brasileira na carta enviada ao advogado.

Chegando ao destino final em terras mexicanas, a família conheceu os coiotes que, teoricamente, os levariam até os Estados Unidos. “A brasileira conta que eles dividiram os imigrantes em três grupos, cada um com um coiote. A instrução era de não parar por nada, pois quem parasse por qualquer motivo, ficaria para trás e estaria por conta própria. Além disso, os responsáveis pela travessia falaram que três pessoas de cada grupo ficariam encarregadas de levar uma mochila de equipamentos médicos e um kit de primeiros socorros, algo incomum para uma travessia ilegal”, relata Toledo.

“Estávamos cansados, estressados e sem absolutamente nada para comer. Teríamos que aguentar mais 24 horas sem comer e, em seguida, fazer a travessia. Ver nossos filhos naquela situação nos destruía por dentro. Dormi encostada em uma parede de madeira e, quando acordei de madrugada, vi um dos coiotes olhando para minha filha dormindo. Chamei meu marido e não dormimos mais. Era um terror”, diz um trecho da carta.

Com os grupos formados, começou a jornada de travessia da família e de outros imigrantes, majoritariamente latino americanos, rumo aos Estados Unidos. No entanto, a viagem teve início de forma desesperadora. “Os brasileiros estavam acompanhados de um casal de venezuelanos, quatro haitianos e o coiote. Os medicamentos citados anteriormente, que três pessoas deveriam levar, eram na verdade embalagens com dois quilos de cocaína cada. Esse era o preço que os traficantes cobravam para que os viajantes passassem por seu território”, revela o especialista em Direito Internacional.

“Ficamos paralisados e eu comecei a chorar estática. Não conseguia me mexer e o coiote disse que nos abandonaria ali mesmo e seguiria viagem. Dois haitianos e um venezuelano levaram os três pacotes. Eu só andava e chorava. Tentava manter uma certa distância deles para que não pensassem que estávamos fazendo algum tipo de tráfico, mas não podíamos nos distanciar muito porque nos perdíamos do coiote”, relata a brasileira.

Em dado momento, os caminhos do coiote e dos imigrantes iriam se separar. “Após uma longa caminhada, o responsável pela travessia disse que eles já estavam em território norte americano, apontou para uma estrada de terra e afirmou que ela os levaria a uma pequena cidade e, de lá, poderiam dar início a suas jornadas nos Estados Unidos”, revela Toledo.

A família estava perto de alcançar seu objetivo e dar início a uma vida nova nos EUA, afinal já contavam com empregos garantidos mesmo que vivessem ilegalmente no país. No entanto, a caminhada na estrada de terra durou menos de cinco minutos. “Policiais americanos chegaram de todos os lados, cercando o grupo de imigrantes. O marido da brasileira tentou conversar com os oficiais, mas foi empurrado e algemado”, conta Daniel.

Para a brasileira, o momento foi de desespero. “Foram os momentos mais desesperadores da minha vida, porque eu sabia que eles iriam achar a cocaína nas mochilas das outras três pessoas e nos prender. Não tinha nada conosco, mas poderiam pensar que éramos traficantes e nossas vidas estariam simplesmente acabadas”, relata.

Com as drogas encontradas, todos foram algemados e levados até a agência de imigração. “Colheram todas as informações e levaram os brasileiros de volta à fronteira do México, alegando que se eles voltassem aos Estados Unidos seriam presos por crime federal. A família usou o resto do dinheiro que ainda tinha para pegar um transporte até a Cidade do México e, de lá, voltaram ao Brasil”, declara o advogado.

“Esse foi um pouco do inferno que passamos. Voltamos para o Brasil e hoje estamos em uma situação muito pior do que antes. Perdemos todo o nosso dinheiro, reservas e ainda causamos um trauma enorme em nossos filhos. Me arrependo amargamente do dia que tive essa infeliz ideia de tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos”, finaliza a brasileira em sua carta.

Para Toledo, esse relato é reflexo das constantes incertezas geradas pelas crises do Brasil, mas reforça a importância de um processo realizado de forma legal para uma entrada sem dores de cabeça nos EUA. “Eu imagino que o Brasil esteja enfrentando uma situação extremamente difícil, mas algumas escolhas podem impactar a vida das pessoas de uma forma gigantesca. Essa família, por exemplo, perdeu todos os seus bens, sofreram diversos traumas e terão que reconstruir suas vidas do zero. Se a intenção é morar nos Estados Unidos, converse com um advogado de imigração e solicite um visto da maneira correta, evitando problemas que podem ser irreversíveis no futuro”, finaliza.

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