Cientistas registram pela 1ª vez milhares de peixes da espécie caranha em agregação reprodutiva no Litoral de São Paulo 

Em recente artigo publicado na Fisheries Research, pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LABECMar), do Instituto do Mar (IMar), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, relataram a primeira validação in loco de uma agregação reprodutiva da caranha (Lutjanus cyanopterus) em águas subtropicais do oceano Atlântico. Pesquisadores do Projeto Meros do Brasil e do Museu de História Natural do Capão da Imbuia (Curitiba/PR) também são co-autores do estudo.
 

O evento por si só, é um dos espetáculos mais belos da natureza marinha e foi registrado próximo ao Parcel da Conceição nas águas da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha do Litoral Centro, que abrange o litoral entre as cidades de Bertioga e Perúibe (SP). A caranha é uma espécie de peixe do grupo dos vermelhos, que possui o comportamento de se agregar em grandes cardumes para desovar em locais e épocas específicas a cada ano.
 

“A identificação das áreas de agregação reprodutiva de peixes é crucial para determinar medidas eficazes de gestão da pesca visando a manutenção dessas populações no ambiente. Encontramos evidências diretas por meio do registro de fêmeas de caranha com folículos pós-ovulatórios capturadas no interior da maior unidade de conservação marinha de uso sustentável do sudeste do Brasil, representando a primeira validação in loco desse processo reprodutivo”, explica Fábio Motta, pesquisador do IMar-Unifesp.
 

A descoberta se deu, porém, de forma inusitada e por meio da análise de 127 espécimes (pesando aproximadamente 2.253 kg no total) capturados ilegalmente por uma embarcação de pesca em janeiro de 2021 e apreendidos pela Polícia Militar Ambiental de São Paulo. O exame das ovas dos peixes permitiu comprovar o comportamento reprodutivo da caranha durante o verão, diferentemente do período de defeso (em que as atividades de pesca esportiva e comercial ficam proibidas) previsto na Portaria Interministerial 59–C de 2018.
 

Quatorze indivíduos da espécie, variando de 82 a 115,4 cm, foram selecionados aleatoriamente e analisados. “O exame histológico de seis ovários mostrou fêmeas com evidências de desova recente. Esta agregação reprodutiva provavelmente está relacionada com o aumento da temperatura da água do mar e a ocorrência de ressurgências [eventos oceanográficos que aumentam a produtividade das águas marinhas] sazonais durante os meses de verão, bem como à complexidade de habitats [presença de parcéis rochosos de diferentes formas e tamanhos] e características geomorfológicas da região, especialmente a presença de paleocanais [cursos de rios antigos]”, destaca Guilherme Pereira-Filho, um dos autores do artigo e pesquisador do LABECMar-Unifesp.
 

Embora a espécie tenha alto valor econômico na região, alvo tanto da pesca comercial quanto da recreativa, a legislação brasileira impõe restrições de captura que não condizem com as evidências científicas levantadas no estudo e se limitam aos meses de inverno, estação sem registros frequentes de agregação. “Nossas descobertas destacam a necessidade de uma estratégia de gestão abrangente que inclua a revisão do período de defeso da pesca e programas colaborativos de monitoramento e pesquisa”, analisa Motta.
 

“Essa descoberta não seria possível sem o apoio da Polícia Militar Ambiental de SP e, dessa forma, enfatiza a importância de parcerias entre a Universidade e outras instituições para o avanço do conhecimento sobre o oceano”, relembra Pereira-Filho, que ainda destaca que esse evento “é a descoberta de mais um importante atributo ecológico do litoral paulista”.
 

“A descrição desse evento reprodutivo abre uma janela de oportunidade para o diálogo entre pescadores profissionais, amadores, cientistas, gestores e demais atores locais que buscam a gestão pesqueira participativa desta espécie”, complementa Pereira-Filho. Além dele e de Fábio Motta, assinam o artigo científico publicado na Fisheries Research os pesquisadores Matheus Freitas (Instituto Meros do Brasil), Fernanda Rolim (LABECMar-Unifesp) e Vinícius Abilhoa (Museu de História Natural do Capão da Imbuia).

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