Coração Valente: a luta de um órgão vital contra agressões variadas – da poluição ambiental ao coronavírus

Os números que descrevem o seu desempenho são superlativos: uma bomba que funciona ininterruptamente por mais de 80 anos (às vezes 100), um músculo que contrai mais de 3 bilhões de vezes para bombear 220 milhões de litros de sangue.

Um trabalho hercúleo feito da forma mais abnegada e arriscada possível: responsável por enviar sangue com oxigênio e nutrientes para todo o corpo, a “batida” do coração é uma contração muscular forte que esmaga todos os vasos existentes no seu interior para a sua própria alimentação. Só depois de alimentar todo o corpo, o coração relaxa e se alimenta rapidamente, ficando pronto para mais uma “batida”.

O olhar especializado deslumbra um grau de perfeição que torna impossível conter a exclamação: fantástico. Em todo o nosso corpo, os nervos são condutores privilegiados do estímulo elétrico mas, no coração, a Natureza faz o impossível: na região que separa as câmaras superiores (átrios) das inferiores (ventrículos), o tecido nervoso conduz o estímulo com velocidade reduzida para dar tempo aos ventrículos se encherem de sangue antes de disparar a “batida”.

Uma série de agentes agressores põe em perigo esse sistema sofisticado. Pequenas partículas da poluição podem vir do tráfego, fábricas, queima de materiais incluindo o cigarro, nanopartículas de plástico e prata; a agressão também pode ser causada pelo próprio organismo ao iniciar uma resposta de defesa contra agentes como, por exemplo, o coronavírus.

Nessa pandemia, foram muitos os relatos médicos destacando aspectos diferentes da doença: aumento da coagulação do sangue criando trombos, aumento da resposta inflamatória, lesão do tecido que reveste os vasos, o endotélio. Agora que existe um número considerável de pacientes curados, surgem os relatos dos problemas pós-covid19, com destaque para os cardíacos.

Tamanha diversidade de explicações seria evitada se, desde o início, ficasse em destaque que a covid-19 é um exemplo de SIS – Síndrome Inflamatória Sistêmica, um quadro clínico complexo onde o processo inflamatório não é localizado, mas difuso por todo o corpo. Chega-se ao ponto X da questão: a resposta inflamatória; é como o corpo reage a qualquer situação que represente ameaça: bateu o cotovelo, cortou o dedo, está gripado, aspirou ar poluído ou fumaça de cigarro. Todas essas situações   significam que existem riscos que precisam ser combatidos. A resposta pode ser desproporcionalmente forte:

1. a curto prazo: as alterações vasculares decorrentes da inflamação visam facilitar o movimento de proteínas plasmáticas e células sanguíneas de defesa da circulação para o local da lesão ou infecção. Afeta mais os idosos e os já doentes com arteriosclerose, por exemplo. “A poluição causa a ruptura de plaquetas no sangue – que aumentam a coagulação sanguínea – podendo causar um infarto do miocárdio” diz o Dr. Russell Luepker, cardiologista da Mayo Clinic de Minnesota. Tem sido mostrado um aumento no número de mortes e internações nos períodos onde o smog (poluição visível) de Los Angeles está aumentado. Isso deve ocorrer em todas as grandes cidades do mundo conclui o especialista.

2. inflamação crônica: observa-se a inflamação ativa, a destruição do tecido e a tentativa de reparar os danos, simultaneamente. Ocorre devido a infecções persistentes, exposição prolongada a agentes tóxicos, exógenos ou endógenos; e a auto-imunidade (o corpo produz anticorpos que atacam o próprio organismo).

O ponto importante a ser lembrado é que a reação inflamatória é automática, disparada por qualquer sinal de agressão ao organismo. Infecções por vírus e exposição a agentes tóxicos por longos períodos conseguem fazer esse mecanismo complexo ficar descontrolado, deixando de frear no momento adequado. Sim, existem sinalizadores químicos liberados no local da inflamação que avisam quando chega a hora de “cessar fogo”.

Aproveitando a atenção dada às sequelas da covid-19, é importante que a população e autoridades comessem a investir em um futuro que promete ser complicado. Nosso corpo já está impregnado com inúmeros produtos químicos potencialmente cancerígenos, como é o caso do Teflon que tem revestido nossas panelas por décadas. Agora, detectou-se micropartículas de plástico em tecidos humanos e, com a justificativa de combater o coronavírus,  o mercado está sendo inundado por um sem-número de produtos impregnados com nanopartículas de prata, ignorando os riscos tóxicos para o ambiente e saúde humana bem demonstrados por uma quantidade expressiva de trabalhos científicos.

Celebrando o Dia Mundial do Coração (29/09), vale lembrar que a miocardite viral é uma sequela importante entre as inúmeras observadas após a covid-19. Precisa de tratamento adequado para não deixar sequelas graves, como a insuficiência cardíaca congestiva.

É preciso lembrar que o coração valente tem uma longa missão a ser cumprida, e o fará se tiver  “uma pequena ajuda de algum amigo” (Lennon & MacCartney).

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Ricardo Geretto Kortas é médico e inventor, com forte formação em tecnologia: mestre em engenharia pela Politécnica USP, Ph.D. em computação e cardiologia pela Stanford University, ex-diretor do Serviço de Informática INCÓR-SP, ex-diretor do Serviço Holter do Hospital Beneficência Portuguesa, SP, com patentes e prêmios nos EUA e no Brasil. Atualmente é médico da rede pública (SUS) atuando em UPA e Pronto Socorro e diretor da startup PIT- Pura Inovação Tecnológica. Email: rgkortas@gmail.com