Dois catadores de resíduos conquistaram a atenção da plateia com suas histórias e seus posicionamentos firmes em defesa da profissão no terceiro dia de painéis da Conferência GLOCAL Experience.
“Reciclagem no Brasil nasce da exclusão social e econômica. É vista como coisa de pobre, de negro. Nós, catadores, não somos o problema, mas sim a solução. Precisamos romper esse preconceito“, disse Tião Santos, ex-catador que se tornou mundialmente conhecido no documentário “Lixo Extraordinário”, documentário sobre o Lixão de Gramacho que teve participação do artista plástico Vik Muniz.
“Quando comecei a trabalhar com reciclagem foi que também a entender a invisibilidade dos catadores e o tamanho do preconceito com esse profissional que faz diariamente um trabalho que beneficia a todos“, afirmou Anne Catadora, influenciadora digital que tem 137 mil seguidores no Instagram, onde dá informações sobre como reciclar.
Tião conta que conheceu o lixão de Gramacho aos 12 anos. A mãe e os irmãos mais velhos tiravam de lá o sustento da família e todos os dias ele lhes levava o almoço. Aos 14, ele se juntou ao grupo no trabalho. Já Anne, que nasceu em Corumbá e tem formação em design gráfico, virou catadora para sustentar o vício que tinha em 2017 –o crack.
Ferrenhos defensores de seu trabalho, os dois reforçaram, em painéis diferentes, a necessidade de mostrar à sociedade a importância de suas funções. “No Rio só 0,4% dos resíduos são reciclados, causando um desperdício de R$ 1 bilhão por ano“, informou.
Anne contou das dificuldades durante a pandemia. “Eu sobrevivi de doações. Se não fosse a solidariedade não estaria aqui. Aí entendi que as pessoas precisavam saber o que nós estávamos passando e o que nós fazíamos“.
Nos vídeos de seu canal ela explica como separar o lixo doméstico, higienizar o que pode ser reciclado, entre outros temas. “Não custa nada separar, higienizar. As pessoas precisam entender que aquilo é a sobrevivência de outra pessoa“, disse.
Para Tião Santos, o fechamento do lixão de Gramacho, há dez anos, é um exemplo de tudo o que não deve ser feito. “Não se pensou em alternativa de emprego para os catadores, nem em mudança na gestão de resíduos. As 4 mil pessoas que viviam daquilo continuam lá sem trabalho, quando são pessoas que têm mestrado, doutorado em separar, classificar e reciclar˜, afirmou.
Ao lado de Anne no painel “Por uma economia circular, colaborativa e solidária” estava a dinamarquesa Lisbeth Randers, head de secretariado na Kalundborg Symbiosis, uma organização que reúne 13 empresas do parque industrial de Kalunborg num processo de economia circular no qual o que pode ser resíduo para uma é transformado e reutilizado em outra. Lisbeth contou que em seu país a legislação exige que os moradores separem os resíduos que produzem em 10 categorias diferentes –para isso cada casa deve ter dez recipientes, de cores diferentes para a separação do lixo doméstico.
Ao responder se havia catadores em seu país, onde 99% dos resíduos são reciclados, Lisbeth respondeu: “acho que se uma pessoa decidisse recolher resíduos na rua ela seria multada“.
Lisbeth informou que a Kalundborg foi procurada pelo governo do Estado do Rio para que se avalie a implantação de um modelo de simbiose industrial em Santa Cruz, onde funcionam 14 empresas de sete setores. “Estamos analisando para ver como podemos colaborar“,disse Lisbeth, que deverá visitar a área industrial nos próximos dias.