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16/02/2022 - 15:59

Investimentos em energia eólica offshore ganham segurança jurídica

Hugo Diogo*

Stella Vivona**

A recente crise hídrica, como já havia ocorrido em outras ocasiões, evidenciou, mais uma vez, a fragilidade do Brasil quanto à oferta de energia. Estamos sempre no limite das possibilidades, com risco de apagão, tendo de recorrer às termoelétricas, que conspiram contra o meio ambiente e a economia, uma vez que contribuem para a carbonização do planeta e implicam majoração tarifária. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que a demanda de energia no Brasil cresça 3,6% até 2029, um aumento de 2.900 megawatts médios anualmente. Os dados constam no Plano Decenal de Energia 2029.

Portanto, o País tem um duplo desafio. O primeiro é ampliar a produção. O segundo é fazê-lo por meio de fontes limpas e renováveis, obrigatórias na luta da humanidade contra o aquecimento da Terra e em favor da transição para uma economia sem carbono. Nesse sentido, cabe lembrar que o potencial de exploração das hidrelétricas está no limite. Não há mais grandes rios com quedas d´água disponíveis. Ademais, a construção de barragens causaria fortes danos ambientais, principalmente na Amazônia. A última usina foi a de Belo Monte, no Pará. Assim, resta-nos recorrer ao sol e aos ventos.

A boa notícia é que 48% da eletricidade brasileira, índice três vezes superior à média global, já vêm de fontes renováveis, segundo dados do Ministério de Minas e Energia. A maior parte ainda é proveniente das hidrelétricas. Entretanto, a solar e a eólica estão crescendo. A primeira representa 2% de nossa matriz elétrica, com expressivo potencial de expansão, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Nos últimos três anos até 2021, a expansão da centralizada (gerada por grandes usinas) foi de 200%, enquanto a distribuída (pequenas centrais) ultrapassou a 2.000%. Somente em 2020, a capacidade instalada aumentou 66%.

Quanto à energia eólica, conforme o ONS, já representa 10,9% da matriz elétrica brasileira. A expectativa é que chegue a 13,6% ao fim de 2025. Os maiores parques estão na Região Nordeste. Para suprir a demanda, a principal alternativa é a offshore, com capacidade de produzir eletricidade em alta escala, com viabilidade de projetos de dois mil e até três mil megawatts. Trata-se da nova fronteira energética do Brasil.

Porém, para viabilizar esse gigantesco salto do Brasil rumo à autossuficiência elétrica, por meio de uma fonte limpa e cujo desenvolvimento terá impacto econômico significativo, é necessário um projeto de estímulo. Seria algo nos moldes do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), instituído pela Lei 10.438/2002. Seu objetivo foi ampliar a participação na matriz nacional de pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas terrestres e termoelétricas a biomassa.

O propósito foi cumprido, pois essas fontes consolidaram-se no mercado, fator que dispensa a continuidade dos estímulos, como, aliás, prevê a Medida Provisória 998/2020. Esta estabeleceu prazo até 31 de dezembro de 2021 para manutenção de incentivos às energias alternativas que já tenham atingido grau de competividade e para o estabelecimento de novos projetos autorizados pela Aneel. Abrem-se, assim, amplas possibilidades para o fomento da energia eólica offshore.

O programa de incentivo preconizado é semelhante ao Proinfa, estabelecendo-se a compra direta da eletricidade pelas distribuidoras. Seriam estabelecidos quatro blocos: o primeiro, de cinco gigawatts, seria vendido a 100 dólares o quilowatt/hora, por 20 anos; o segundo, 90 dólares; o terceiro, 80 dólares; e o quarto, 70 dólares. A partir daí, os preços já seriam regulados pelo mercado, pois haveria um sistema consolidado e competitividade. As diferenças, até o final do incentivo, seriam pagas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), a cargo das companhias de distribuição. Foi assim no programa anterior, com reconhecido êxito.

Os desafios são grandes e os investimentos elevados, mas necessários. O êxito no fomento da energia elétrica eólica marítima representaria um diferencial competitivo para a economia brasileira. Para se entender melhor a dimensão desses ganhos para o País, é interessante observar dados internacionais. Relatório do Global Wind Energy Council (GWEC), divulgado no final de 2021, indica que 2020 foi o segundo melhor período para a energia eólica offshore no mundo, mas ainda distante do necessário para alcançar a neutralidade global de carbono.

Após crescimento recorde em 2019, a geração de energia a partir dos ventos no mar somou 6,1 gigawatts de capacidade e as instalações globais de eólica offshore acumulam 35,3 gigawatts. No entanto, para que o planeta consiga fazer sua transição energética, respeitando a meta de limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5°C em relação à era pré-industrial, será preciso chegar a dois mil gigawatts de capacidade em 2050. O Brasil tem potencial para atender a grande parte dessa demanda.

O decreto nº 10.946, editado recentemente, que entrará em vigor no dia 15 de junho de 2022, organiza as normas e consolida as diretrizes dos desenvolvimentos eólicos, apresentando um quadro legal mais definido. Tem como objetivo a cessão dos espaços marítimos, que são de domínio da União, para a finalidade de geração energética. Trata-se de um fator que oferece mais segurança jurídica à elaboração dos estudos de impacto ambiental para a obtenção das devidas licenças e aos investidores, para iniciarem novas etapas de planejamento, como o processo para a efetiva cessão de uso de área pública e a outorga para geração de energia eólica offshore.

É verdade que ainda há alguns aspectos de natureza crítica. Atualmente, existem 36 projetos no Ibama para análise ambiental. Há, ainda, algumas sobreposições de áreas e dúvidas como, por exemplo, qual será o quadro legal para a cessão de área pública. Um dos caminhos seria solicitar o uso da área na Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e outorga para geração de energia no Ministério das Minas e Energia.

Entre avanços e pontos a serem solucionados, os números demonstram a capacidade de nosso país de ampliar a oferta de energia por meio de fontes limpas e renováveis, dando um basta ao risco de apagões e honrando o compromisso, reafirmado na COP 26, em novembro último, de antecipar a neutralidade em carbono de 2060 para 2050. Estamos diante de uma concreta oportunidade de autonomia e sustentabilidade energética, geração de investimentos e empregos e fomento em escala de segmentos industriais de bens de capital e serviços. O desafio está lançado!

*Hugo Diogo, líder da Área Offshore na Ramboll Brasil.

**Stella Vivona, especialista em gestão ambiental e legislação e consultora na Ramboll Brasil.

Redação

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