Um estudo recente, liderado pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), propõe uma nova perspectiva sobre a ocupação do litoral sul do Brasil há aproximadamente 2 mil anos. Publicado na revista PLOS ONE, o estudo contesta a ideia de que os construtores de sambaquis da região de Laguna, em Santa Catarina, foram substituídos por grupos ancestrais dos Jê Meridionais.
Os sambaquis são montículos que representam locais de ocupação prolongada, compostos por camadas de conchas de moluscos, restos humanos e animais, artefatos de pedra e cerâmica, entre outros materiais. O estudo sugere que esses sambaquis, especialmente o Galheta IV, não indicam uma substituição populacional pelos proto-Jê, como se pensava anteriormente.
André Strauss, professor do MAE-USP e um dos autores do estudo, destaca que “havia muito menos interação do que se pensava entre esses sambaquieiros e as populações proto-Jê que coexistiam na mesma região”. A pesquisa contradiz a teoria anterior de que os sambaquis foram abandonados em favor da ocupação por grupos do planalto catarinense.
Jéssica Mendes Cardoso, primeira autora do artigo e pesquisadora do MAE-USP, reanalisou materiais arqueológicos coletados entre 2005 e 2007. Utilizando técnicas avançadas de análise de isótopos, ela determinou que a dieta principal dos habitantes de Galheta IV consistia em frutos do mar, representando 60% de sua alimentação. Além disso, a presença de ossos de aves marinhas e mamíferos sugere práticas rituais complexas associadas aos sambaquis.
A datação revisada do sítio indica que sua construção e uso ocorreram entre 1.300 e 500 anos atrás, ampliando o período de ocupação em comparação com estimativas anteriores. A análise da cerâmica encontrada no local revela características distintas, diferindo das encontradas no planalto catarinense e sugerindo influências culturais diversas ao longo do litoral.
Fabiana Merencio, coautora do estudo, enfatiza que “a cerâmica encontrada em Galheta IV é mais antiga do que aquela descoberta em áreas serranas de Santa Catarina, o que indica uma complexidade na interação cultural ao longo do tempo”.
O estudo não apenas redefine a compreensão da ocupação humana no litoral sul do Brasil, mas também lança luz sobre os processos históricos e ambientais que podem ter influenciado o abandono dos sambaquis, como mudanças no nível do mar e na disponibilidade de recursos marinhos.
Os pesquisadores agora planejam expandir suas investigações para outros sítios arqueológicos na região, como o Jabuticabeira II, sob a liderança de Ximena Villagran, também do MAE-USP. Este novo projeto visa fornecer mais insights sobre as dinâmicas sociais e ambientais que moldaram a pré-história do litoral sul do Brasil.
Fonte: Adaptado de FAPESP
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