Perdas e danos relativos à persistência dos lixões

Luiz Gonzaga Alves Pereira* 

Há cidades brasileiras nas quais os resíduos sólidos representam de 10% a 20% das emissões de carbono, gerando volume expressivo de gases de efeito estufa. Tais localidades são exatamente aquelas nas quais, à revelia dos interesses maiores da sociedade, das leis e dos preceitos ambientais, são mantidos os famigerados lixões. Estes também causam danos à saúde pública, são caldos de cultura para a proliferação de mosquitos e roedores, fontes de odores e causa de muito desconforto humano.

Todos esses problemas demonstram a premência da extinção dos lixões, que já havia sido estabelecida para agosto de 2014, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), lei promulgada em 2010. Entretanto, ao invés da atitude para o fechamento dos locais inapropriados, o que se viu foi uma romaria de executivos municipais em direção ao Parlamento, com o propósito de postergar as medidas e deixar de cumprir a legislação.

Depois das numerosas manobras protelatórias, eis que o Novo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026), sancionado em julho de 2020, instituiu melhores condições para esse avanço civilizatório e ecológico, ao estabelecer livre licitação para os serviços de coleta, tratamento e destinação final do lixo, com estímulo a investimentos privados e criação de empregos, substituindo um oneroso passivo ambiental por valor econômico sustentável. Em novembro de 2020, visando contribuir para o cumprimento da nova lei, a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre) criou o Atlas da Destinação Final de Resíduos. É uma ferramenta de livre acesso, que coloca à disposição da sociedade informações concretas para avaliação e cobrança das autoridades.

A entidade havia contabilizado, que, ao final de 2018, havia 3.427 lixões espalhados pelo território brasileiro. Observamos que, passados 13 anos desde a promulgação da PNRS e quase quatro do Novo Marco do Saneamento, os avanços são lentos. Ainda temos no País, conforme os números atualizados do Atlas, 2.577 desses depósitos ambientalmente incorretos. Pode ser até mesmo que o número seja maior, pois a fiscalização, quando existe, é muito tímida. Ademais, não há a necessária sanção judicial determinada na lei.

É oportuno retomar o tema neste momento em que o Governo Federal acaba de instituir o Programa “Diogo Sant’ana” Pró-Catadoras e Catadores para a Reciclagem Popular, recriando o antigo Programa Pró-Catador. Os catadores são extremamente importantes e fundamentais no setor de resíduos, mas precisam ser tratados com a máxima consideração, a começar pelas condições de trabalho, salubridade e dignidade profissional e de renda.

Cabe esclarecer que fechar um lixão não desemprega o catador. Ao contrário, proporciona-lhe melhores condições de salário, preserva sua saúde e possibilita maior rentabilidade. Há extraordinários exemplos no País. No Sul da Bahia, na região da Mata Atlântica, onde alguns desses depósitos anacrônicos foram erradicados, os resíduos estão sendo destinados a aterros sanitários ecologicamente corretos. Os catadores, que trabalhavam de modo precário nos antigos lixões ganharam dignidade e tratamento humano adequado, recebem dignamente e desempenham com mais eficiência sua missão de selecionar os resíduos aproveitáveis/recicláveis.

Não cabe mais relevar subterfúgios para encobrir a irresponsabilidade das autoridades municipais descumpridoras da lei, como segue ocorrendo de modo irresponsável com o calendário estabelecido pelo Novo Marco do Saneamento. É um absurdo que siga sendo desrespeitada no Brasil uma legislação fundamental para a ecologia e a saúde pública. Por isso, há uma pergunta que não quer calar: a quem interessa a poluição dos nossos lençóis freáticos e a contaminação do meio ambiente, especialmente em um momento em que todo o mundo está preocupado com a questão climática?

A manutenção dos lixões, além de irresponsável, é uma agressão a nós mesmos, ao meio ambiente e, oxalá, não seja também uma realidade recorrente como o incêndio ocorrido dia 14 de fevereiro, em Cerro Patacón, o maior lixão do Panamá. Será que não há no Brasil nenhum poder capaz de fazer cumprir as leis e punir os infratores?  Quais as razões de tamanha negligência com a população? Antes, a alegação era a de que não havia recursos. Esta desculpa foi desmontada pelo Novo Marco do Saneamento, que, como observei anteriormente, criou condições para a realização dos investimentos necessários.

Além das livres licitações, o caminho também foi dado às autoridades municipais pela possibilidade criada pela nova lei de se estabelecer a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos. Mas, é baixo o número de municípios que instituíram, no espírito da lei, alguma tarifa para esses serviços. Muitos informam cobrar uma taxa de lixo que, a rigor, mostra-se insuficiente. Sabem por quê? A explicação é simples: na maioria dos casos, os recursos, cobrados juntamente com o IPTU, vão para o caixa comum das prefeituras. Sua utilização, portanto, é decidida pelos prefeitos, que invariavelmente desconsideram o adequado tratamento dos resíduos como prioridade.

Diante da grave situação, algo precisa ser feito com urgência. Cabe ao novo Governo Federal exigir, de uma vez por todas, o cumprimento da lei e aplicar as devidas sanções legais aos transgressores. É necessário que se tomem medidas eficazes em favor do meio ambiente e da saúde pública.

*Luiz Gonzaga Alves Pereira é presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre).

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