Crédito: Nature Food (2024). DOI: 10.1038/s43016-024-00996-x

Em todo o mundo, aproximadamente 75% dos bebês consomem fórmula infantil durante os primeiros seis meses de vida, seja como a única fonte de nutrição ou como complemento à amamentação. Embora as fórmulas ofereçam nutrientes essenciais, elas não conseguem replicar completamente o perfil nutricional único do leite materno. Isso se deve, em parte, à presença de oligossacarídeos do leite humano (HMOs), uma classe de açúcares prebióticos que são quase impossíveis de reproduzir em fórmulas tradicionais.

Recentemente, um estudo inovador conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia – Berkeley e Davis revelou uma solução promissora: o uso de plantas geneticamente modificadas para produzir esses açúcares. Publicado na revista Nature Food, o estudo mostra como a modificação genética de plantas pode levar à produção de uma ampla gama de açúcares do leite humano, com o potencial de criar fórmulas infantis mais saudáveis e acessíveis.

A Ciência por Trás dos Açúcares do Leite Humano

Os oligossacarídeos do leite humano desempenham um papel crucial no desenvolvimento infantil. Eles ajudam a prevenir doenças, promovem o crescimento de bactérias intestinais saudáveis e são parte integral do sistema imunológico do bebê. Existem cerca de 200 HMOs diferentes no leite materno, cada um com uma estrutura única e benefícios específicos.

Patrick Shih, professor assistente de biologia vegetal e microbiana na UC Berkeley e principal autor do estudo, explica a singularidade dessas moléculas: “As plantas são incríveis em produzir açúcares diversos a partir de luz solar e dióxido de carbono. Com base nisso, pensamos: por que não reprogramá-las para produzir oligossacarídeos do leite humano?”

Reprogramando Plantas para Produzir HMOs

Para transformar essa visão em realidade, a equipe de Shih modificou geneticamente a planta Nicotiana benthamiana, um parente do tabaco. Collin Barnum, o primeiro autor do estudo, projetou genes que codificam enzimas capazes de criar as ligações específicas entre os açúcares simples (monossacarídeos) que formam os HMOs. Trabalhando em colaboração com pesquisadores da UC Davis, Barnum introduziu esses genes na planta, resultando na produção de 11 oligossacarídeos conhecidos do leite humano, além de outros açúcares complexos com padrões de ligação similares.

“Produzimos todos os três grupos principais de oligossacarídeos do leite humano”, disse Shih. “Que eu saiba, ninguém jamais demonstrou que seria possível formar todos esses três grupos simultaneamente em um único organismo.”

Além disso, a equipe conseguiu criar uma linha estável de plantas que produzem especificamente o HMO LNFP1. Este oligossacarídeo, composto por cinco monossacarídeos, é altamente benéfico, mas até agora não podia ser produzido em larga escala utilizando métodos tradicionais de fermentação microbiana.

Vantagens das Plantas Sobre Outros Métodos de Produção

Atualmente, um número limitado de HMOs pode ser produzido usando bactérias E. coli modificadas. No entanto, esse processo é caro e complicado, exigindo a separação cuidadosa das moléculas benéficas de subprodutos potencialmente tóxicos. Em contraste, a produção de HMOs em plantas pode ser mais eficiente e econômica.

Shih e Barnum, juntamente com Minliang Yang da Universidade Estadual da Carolina do Norte, calcularam os custos de produção em escala industrial e descobriram que o uso de plantas poderia ser mais barato do que métodos microbianos. Essa economia de custos poderia tornar as fórmulas infantis enriquecidas com HMOs mais acessíveis para um público mais amplo.

“Imagine poder produzir todos os oligossacarídeos do leite humano em uma única planta. Depois, você poderia simplesmente processar essa planta para extrair os HMOs e adicioná-los diretamente à fórmula infantil”, explicou Shih. “Embora ainda haja desafios na implementação e comercialização, este é o grande objetivo que estamos tentando alcançar”.

Implicações para a Nutrição Infantil e Além

A capacidade de produzir HMOs em plantas geneticamente modificadas representa um avanço significativo para a nutrição infantil. Fórmulas enriquecidas com esses açúcares poderiam oferecer benefícios que atualmente só estão disponíveis para bebês amamentados, como melhor imunidade e desenvolvimento intestinal saudável.

Além disso, essa tecnologia pode ser aplicada na criação de leites vegetais não lácteos mais nutritivos para adultos, beneficiando aqueles que seguem dietas veganas ou têm intolerância à lactose.

O Futuro da Produção de HMOs

Os pesquisadores acreditam que, com mais refinamentos, a produção de HMOs em plantas pode revolucionar a forma como abordamos a nutrição infantil e suplementos dietéticos. No entanto, eles também reconhecem que há obstáculos a serem superados antes que essa tecnologia possa ser amplamente adotada. Isso inclui desafios na escalabilidade da produção, regulação e aceitação do consumidor.

Autores adicionais do estudo incluem Bruna Paviani, Garret Couture, Chad Masarweh, Ye Chen, Yu-Ping Huang, David A. Mills, Carlito B. Lebrilla e Daniela Barile da UC Davis; Kasey Markel, da UC Berkeley; e Minliang Yang, da Universidade Estadual da Carolina do Norte.

A produção de oligossacarídeos do leite humano em plantas geneticamente modificadas oferece uma solução promissora para melhorar a nutrição infantil e ampliar o acesso a alimentos mais saudáveis. Esta pesquisa inovadora destaca o potencial das plataformas vegetais em transformar a indústria de alimentos e promover um futuro mais saudável para todos. Com o avanço dessa tecnologia, podemos estar a um passo de oferecer fórmulas infantis que replicam ainda mais de perto os benefícios incomparáveis do leite materno.